Como tudo começou

04/12/09

LINDA-A PASTORA

(Almeida Garrett)


«…Já me eram familiares de anos aqueles sítios; mas posso dizer que os não conheci bem e como eles são deveras, senão quando, haverá hoje três anos, ali fui um dia primeiro de Maio. Fui, como de maravilha em maravilha, por todos os pontos que tenho nomeado; mas chegando à ribeira de Jamor, parei extasiado no meio de sua ponte, porque a várzea que daí se estende, recurvando-se pela direita para Carnaxide e os montes que a abrigam em derredor, estava tudo de uma beleza que verdadeiramente fascinava…
…O lugarejo é bem conhecido de nome e de fama, chama-se Linda-a-Pastora. Porquê? Não sei. Têm-me jurado antiquários de “meia-tigela” que o seu nome verdadeiro é Niña, a Pastora. Mas enquanto não achar algum de “tigela inteira” que me saiba dar a razão porque se havia de chamar assim, meio português meio castelhano, um aldeote de ao pé de Lisboa – hei-de chamar-lhe eu, como os seus habitantes e toda a gente diz: Linda-a-Pastora…»

Este, é um excerto de Almeida Garrett, no seu “Romanceiro” descrevendo os passeios que dá pela zona do Jamor. Convido-os a lerem a descrição na integra;, ela é deveras interessante, tanto mais escrita como está, num português primoroso. Depois fala do que ele chama um “romance de endechas mas que no fundo é uma verdadeira pastorela do género provençal” cujo título é “A Pastorinha” mas que o romancista decidiu que “aqui, era justo e natural que lhe desse o de Linda-a- Pastora , que assentei conservar-lhe.


_«Linda Pastorinha que fazeis aqui?»
_«Procuro o meu gado que por aí perdi.»
_«Tão gentil senhora a guardar o gado! »
_«Senhor, já nascemos para este fado.»
_«Por estas montanhas em tão grande p’rigo!»
Diga-me ó menina, se quer vir comigo.
_«Um senhor tão guapo dar tão mau conselho
Querer que se perca o gado alheio!»
_«Não tenha esse medo que o gado se perca
Por aqui passarmos uma hora de sesta.»
_«Tal razão como essa não na ouvirei:
Já dirão meus amos que demais tardei.»
_«Diga-lhe, menina, que se demorou
Co esta nuvem de água que tudo molhou.»
_«Falarei verdade, que mentir não sei:
À volta do gado eu me descuidei.»
_«Pastorinha, escute, que oiço balar gado…»
_«Serão as ovelhas que me têm faltado.»
_«Eu lhas vou buscar já muito depressa,
Nem que me espedasse por esta charneca.»
_«Ai como vai grave de meias de seda!
Olhe não as rompa por essa resteva.»
_«Meias e sapatos, tudo romperei
Só por lhe dar gosto, minha alma, meu bem.»
_«Ei-lo aqui vem; é todo o meu gado.»
_«Meu destino foi ser vosso criado.»
_«Senhor, vá-se embora, não me dê mais pena,
Que há-de vir meu amo trazer-me a merenda.»
_«Se vier seu amo, venha muito embora;
Diremos, menina, que cheguei agora.»
_«Senhor, vá-se, vá-se, não me dê tormento:
Já não quero vê-lo nem por pensamento.»
_«Pois adeus, ingrata de Linda-a-Pastora!
Fica-te, eu me vou pela serra fora.»
_«Venha cá, senhor, torne atrás correndo…
Que o amor é cego, já me está rendendo.»
Sentaram-se à sombra…tudo estava ardendo…
Quando elas não querem, então ‘stão querendo.


Até breve, para falar de outro qualquer assunto.
M.A.

3 comentários:

Quica disse...

Por estas bandas passaram muitos poetas.

Cesário Verde vivia com a família numa quinta em Linda a Pastora. O irmão também poeta,ainda que desconhecido - Jorge Verde.

São dele as duas quadras:

Há na terra uma pastora
Que está sempre olhando o mar,
Não é morena nem loura
E é branca como o luar.
Chamam linda à tal pastora
Que os dias passa a cismar,
Numa encosta encantadora
Que de longe olha para o mar.

Fui encontrar estes versos no livro do Dr. Gilberto Monteiro.

M.A. disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
M.A. disse...

Quica:
Obrigada. Graças a si já aprendi hoje alguma coisa. Desconhecia a existência desse irmão, também poeta, de Cesário Verde.

Sociedade de Instrução Musical e Escolar Cruz Quebradense

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